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DIZ AÍ SANTHIAS

Zzzzriguidum! Consulado: o choque do Samba em Florianópolis (memórias e histórias de uma Escola de Samba encravada na cidade – 1976 a 2000)

AUTOR PAULO ROBERTO SANTHIAS – Florianópolis 2010

 RESUMO

            Este artigo procura examinar as aproximações e influências do samba carioca em relação às escolas de samba de Florianópolis, dentro de um processo histórico estabelecido desde a fundação do Grêmio Recreativo e Escola de Samba Consulado, em Florianópolis, originado por migrantes cariocas, em 1977, quando da criação do bloco, e de 1986, quando da criação desta escola de samba.

            Deste modo, o pesquisador retorna ao começo do século XX, no Rio de Janeiro, período e espaço de origem das escolas de samba e do samba-enredo para examinar a fundamentação teórica de influência no processo de aproximação entre o Consulado e o samba-enredo carioca.

Palavras-chave: Música Popular Brasileira, Historiografia, Samba-enredo.

Escolas de samba são fontes de acontecimentos e temporalidades as quais suscitam as atenções de historiadores sejam por suas relações sociais, econômicas, políticas e culturais. Desculpe a metáfora, algo tão comum no “Mundo do Samba” (expressão identificadora de pessoas atuantes, os sambistas, dentro desse campo), mas a figura é essencial à apreensão dimensional desses campos constituintes de História. A perspectiva tomada por este trabalho é a de perceber práticas e a história dentro do espaço de atuação do Grêmio Recreativo e Escola de Samba Consulado, em Florianópolis.

O samba, ritmo musical surgido em morros do Centro do Rio de Janeiro, decorre da fusão de outros ritmos: lundu, maxixe e do batuque africano, ou da “umbigada”, na prática um movimento de corpo na roda de samba:

Inicialmente o samba era uma criação coletiva. Não havia preocupação de propriedade musical. A primeira parte da letra era fixa e a segunda composta de versos improvisados na hora. O samba vai determinar a forte influência de cultura negra na sociedade brasileira, dando continuidade – com muito mais vigor – ao processo de inserção cultural dos negros que o rancho havia representado. (TRAMONTE, Cristiana, 1996, p.28).

O Grêmio Recreativo e Escola de Samba Consulado rompeu a trajetória do cenário carnavalesco de Florianópolis ao estabelecer padrões e rumos na festa popular, a partir da década de 1990. Para compreender o significado da “virada” musical provocada pela escola novata, é relevante recorrer a acontecimentos representativos daquela fase na cidade. Isso nos termos musicais associados ao contexto político, econômico e social da cidade.

Até o final dos anos 1980, a hegemonia do carnaval de Florianópolis era disputada, basicamente, entre a Escola de Samba Protegidos da Princesa, fundada em 18 de outubro de 1948, e a Sociedade Recreativa Cultural e Samba Embaixada Copa Lord, fundada em 25 de fevereiro de 1955. As duas últimas agremiações venceram a maior parte dos carnavais da Capital computados entre os anos de 1949 a 2009. Protegidos da Princesa informa ter obtido 24 títulos, enquanto a Copa Lord registra 18 vezes campeã, entre os anos de 1949 a 2009.

Cabe aqui, reencontrar passagens narrativas dos afro-descendentes do começo do século XX, dos primórdios do carnaval de Florianópolis e das condições de existência dessas populações no Brasil, recém-saído do regime escravocrata. As trajetórias marcham da soltura dos grilhões à locomoção para o alto dos morros próximos ao Centro da Capital onde foram construir as habitações novas, cultivar alimentos e refazer relações familiares e culturais. São as territorialidades mediadas por renovações da musicalidade africana, ao mesmo tempo em contato e resistência, com o quê havia de repressor na cidade:

Com as reformas urbanas e o sistema republicano de governo, Desterro tornou-se apenas um passado. O mundo moderno, sem escravos, ensaiou seus primeiros passos na Ilha de Santa Catarina, ao mesmo tempo em que o crescimento urbano das maiores cidades brasileiras produziu uma readequação dos espaços sociais e dos festejos. O carnaval se transformou, se tornando mais popular, a ponto de certos grupos da população afrodescendente organizar seus primeiros blocos, também chamados de ranchos. Os resultados dessa ousadia tiveram reflexos imediatos (como os violentos conflitos com policiais, que no propósito de coibir os batuques, não mediram esforços) e reflexos que, ao longo do tempo, iriam se destacar, mudando a configuração do carnaval festejado até então. (BUENO, Renato Santiago 1980 – 1989. p.19)

Dos ranchos, forma de expressão dos afro-descendentes de Florianópolis, para a primeira escola de samba da Capital são contados 20 anos, conforme descrito no início deste trabalho, quando da fundação da Escola de Samba Protegidos da Princesa, em outubro de 1948: 

A partir da década de 1920, surgiram pelo país os primeiros blocos carnavalescos já acompanhados de percussão, juntamente com a chegada do Rei Momo, que teve sua primeira aparição em Florianópolis no ano de 1935, na Praça XV, o espaço oficial das festas carnavalescas no período. De modo geral, essas mudanças ocorreram por todo o país, porém em épocas distintas. Enquanto a primeira escola de samba registrada no Rio de Janeiro é de 1928, em Florianópolis esse fato ocorrerá vinte anos depois. É importante registrar também, a presença dos carros de mutações, algo peculiar do carnaval florianopolitano. Esses carros, inicialmente puxado por bois, se diferenciavam do resto dos carros alegóricos dos demais carnavais, por possuir um mecanismo todo próprio, que lhe garantia algumas mutações estruturais ao longo do desfile. (BUENO, Renato Santiago 1980 – 1989. p.29)

O cenário da comunicação:

Empresas de comunicação direcionaram interesses para os festejos carnavalescos desde as primeiras manifestações tanto no Rio de Janeiro quanto, em Santa Catarina. As inovações apresentadas pelas agremiações, a cada carnaval, despertavam as atenções dos veículos de comunicação, que perceberam nessas novidades o interesse crescente da população pelo carnaval, um dos impulsos amoldados para o interesse dos capitalistas da mídia, promovendo eventos vinculados à festa e, por conseqüência, o crescimento de empresas do setor. Ao passo que o advento tecnológico, no rastro do desenvolvimento verificado no Rio de Janeiro, induziu ao avanço da mídia eletrônica catarinense. Os equipamentos expandidos pela engenharia, a partir da década de 1980, como as transmissões dos desfiles por televisão e por rádio, aproximaram os espetáculos do carnavalesco florianopolitano. Por outro lado, a aparelhagem nova viabilizou inserções e presenças cada vez mais intensas da mídia eletrônica na cobertura do carnaval brasileiro. Em Florianópolis, a rede de comunicação O Estado (jornal impresso, rádio e, posteriormente, televisão) criou concursos de carnaval, contando para isso com apoio publicitário de empresas privadas, sobretudo, do governo do Estado e da Prefeitura:

Preparando o carnaval de 1983 no final de 1982, acontece o Festival Estadual do Samba, uma promoção conjunta do programa radiofônico Clube do Samba, Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo, jornal O Estado e TV Catarinense, com o apoio do Governo do Estado. (TRAMONTE, Cristiana. 1996, p.28).

O cenário político:

O transcurso da escola de samba à época cria possibilidades de perceber espaços, sociabilidades e acontecimentos em variadas áreas. No campo político, o Estado vivia o bi-partidarismo de forma alternada, desde a década de 1940, quando PSD – Partido Social Democrático, liderados por Aderbal Ramos da Silva e UDN – União Democrática Nacional, comandados por Irineu Bornhausen – alternavam-se nas esferas estadual e municipal, até a década de 1960. A partir deste período, a configuração política mantinha o bi-partidarismo em pleno regime militar, que foi marcado por governos vinculados à ARENA – Aliança Renovadora Nacional e, posteriormente, ao MDB – Movimento Democrático Brasileiro. Durante a ditadura os emedebistas exerciam a oposição.

A partir de 1986, com o processo de redemocratização, Santa Catarina ainda estava governada pelos remanescentes da antiga Arena, rebatizada de PDS – Partido Democrático Social – e a oposição, o MDB – Movimento Democrático Social, acrescentado da letra P, cujo significado mantém-se até hoje: Partido do Movimento Democrático Brasileiro:

Os anos de 1982 a 1986 ainda são marcados pela hegemonia do bi-partidarismo, com amplo predomínio do PDS e do PMDB. Mas, a partir de 1989, assiste-se a uma pluralização das forças políticas no cenário catarinense. (CARREIRÃO, Yan de Souza; BORBA, Julian. 2006, p.55).

O cenário econômico:

A temática do desenvolvimento econômico de Florianópolis era tomada por projetos da indústria e pelo turismo, os quais perpassavam principalmente pelas expansões da geração de energia elétrica e pela infra-estrutura rodoviária, a fim de a cidade ser incorporada junto ao programa de modernização instalado no país, ainda durante o governo de Juscelino Kubitschek. Os Planos de Crescimento do Estado foram fixados em etapas qüinqüenais, e previam expandir “a eletrificação, que rapidamente aumentou a oferta de energia elétrica em Santa Catarina.”:

Em Santa Catarina, foi através da atuação direta da Federação das Indústrias que constitui-se aquele que seria o plano de desenvolvimento estadual dos anos 60, o Plameg – Plano de Metas do Governo. Celso Ramos, do PSD, presidente da Fiesc, dirigiu o Seminário Sócio-Econômico promovido pela entidade, base de sua própria candidatura vitoriosa, retirando a UDN do governo, após 10 anos. É uma demonstração cabal do poderio da representação corporativa da burguesia, elegendo seu representante direto para o governo do Estado e praticamente estabelecendo todas as metas adotadas pelo planejamento governamental. (LOHN, Reinaldo Lindolfo. 2002 UFGRS, p.156).

À cidade foram acrescentados os setores de serviços e a ampliação do número de funcionários públicos em nível federal à medida que foram instaladas a UFSC e a Eletrosul. Esta empresa, criada em 1968 pelo governo federal, e autorizada a funcionar por decreto de 23/04/1969, localiza-se oficialmente no bairro Pantanal, desde 1975, final do mandato do governador Colombo Salles e começo de mandato do governador Antônio Carlos Konder Reis, e final do mandato do prefeito de Florianópolis, Nilton Severo da Costa, e início do mandato de prefeito de Esperidião Amin. A estatal nova impulsionou as atividades econômicas da Capital, ainda sob fisionomia de uma cidade pacata. Diz Nivaldo dos Santos, em depoimento gravado:

Quando ela (Eletrosul) veio pra Florianópolis já foi um negócio que causou uma certa perturbação em termos de costumes… e fluxo de pessoas! A cidade era muito pequena e veio pra acabar! Na realidade veio do Rio pra cá, eu acho que umas… mil pessoas! Uma cidade pequena, e todo mundo com o salário direitinho. Houve um impacto aqui na cidade sob o ponto de vista imobiliário… de costumes, assim… gerou assim, uma certo reboliço na cidade.

Das rodas de samba à escola

É de parte do contingente de trabalhadores da Eletrosul, transferidos do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, que foi formado o bloco e a escola de samba.  A integração entre eles e o lazer se davam de forma mais efetiva através das rodas de samba nos fins-de-semana. A cidade não oferecia atrativos e eventos culturais adaptados para os migrantes, parte formada por cariocas. Os contadores (hoje, aposentados) da Eletrosul, Nivaldo dos Santos e Salomão Lobo de Sousa Filho, obtiveram os instrumentos musicais por meio de rifas, rateios e contribuições dos participantes.      Inicialmente, as rodas de samba eram feitas na casa de Nivaldo e Waltamir, na rua general Bittencourt, 112, no Centro de Florianópolis, denominada “Consulado do Samba”. Decorreram daí, encontros culturais, contatos e convívios com mais pessoas da cidade, passando para os pagodes em variados lugares de Florianópolis, como o SESC, no bairro do Cacupé e, posteriormente participações musicais em jogos de futebol e encontros de fins-de-semana em de clubes de lazer. Nos primeiros trabalhos da pesquisa desenvolvida, Nivaldo afirmou:

Então, eu e Salomão e outro amigo compramos instrumentos de percussão… e nós ficávamos alegrando as festas, os encontros dos funcionários da Eletrosul. Eu era funcionário da Eletrosul na época, juntamente com Salomão! E nós alegrávamos churrasco, partidas de futebol e aquele batuque, acho que até no primeiro ano surgiu a idéia de fazer um bloco!

As residências dos trabalhadores da Eletrosul, oriundos do Rio de Janeiro, eram denominadas de “consulados do Rio”, pela população de Florianópolis, como um jeito de identificação das moradias dos sambistas que traziam o ritmo carioca, tantas vezes assistidos pela população da Capital nos aparelhos de rádio e tevê, transmitidos pelas emissoras de Florianópolis. A principal emissora de televisão do país exibia vinhetas – pequenos programas de até trinta segundos de duração – com letras dos sambas-enredo, gravados em LPs – discos de vinil – com as canções das Escolas que desfilavam no denominado Grupo Especial do Rio de Janeiro. Carlos César Vieira, funcionário público do Hospital Infantil Joana de Gusmão, membro afastado do GRES Consulado foi um dos colecionadores de discos do carnaval carioca afirma: “eu tenho amigos que… acho que desde o começo de 80, quando começou a sair os LPs de samba enredo do Rio,  os cara têm tudo! Eles eram consumidores!”

Ao final da década de 1970 e início de 1980, a classe média de Florianópolis “desperta” para os processos de elaboração do samba-enredo e das marchinhas de carnaval, no interior das escolas de samba de blocos carnavalescos da cidade. Formada em sua maioria por profissionais liberais e jornalistas. É nesse enredamento de interesses (o entre – lugar), anteriormente opostos às coisas do carnaval proveniente dos morros de Florianópolis, que emerge a figura do autor do enredo, embora já existisse o autor do samba-enredo. Essa sintonização de identidade da classe média florianopolitana para com os blocos e as escolas de samba da Capital ocorre em consonância com a entrada do bloco Consulado do Samba, formado em sua maioria por trabalhadores da Eletrosul, nos desfiles e concursos de carnaval.

Desse interesse da classe média pelo samba-enredo e blocos carnavalescos, além da participação dos empregados da Eletrosul no carnaval de Florianópolis configura-se um estranhamento, até então despercebido, entre carnavalescos de escolas tradicionais e reverberado pela imprensa: o “branqueamento das escolas de samba”, conforme destacado pela pesquisadora Cristiana Tramonte:

Querendo significar a entrada das classes médias e altas, geralmente brancos, nos quadros profissionais e/ou decisivos da escola de samba e que será um dos mais importantes ‘divisores de água” no Mundo do Samba. (TRAMONTE, Cristiana. 1996. p.151).

Compreende-se ainda que os trabalhadores da Eletrosul transformaram a realidade salarial e de preços havida até aqueles anos época na Capital, causando aumento nos preços dos imóveis, os quais eram ofertados em quantidades baixas à demanda à época:

Os trabalhadores das indústrias de Energia Elétrica constituíram, em vários momentos, uma categoria melhor remunerada, cujos salários possibilitavam o acesso a vários direitos sociais; além de terem uma origem nos meios acadêmicos, com formação nas profissões liberais.(PEDRO, Joana Maria; FLORES. 1994.p.10).

A partir dos pressupostos anteriores, percebe-se o estereótipo e/ou preconceito atribuído aos componentes do Consulado do Samba como escola de brancos. Desde 1977, ano do primeiro desfile, o bloco obteve o título de campeão do carnaval pelos anos subseqüentes até 1985. O sítio eletrônico da agremiação informa: “Em seus 10 anos de existência, foram conquistados 10 campeonatos e o título de hors concurs do Carnaval.” Para Carlos César Vieira, o bloco Consulado: “Foi campeão… Todos os anos, todos os anos… e sempre tinha um diferencial novo! Por isso que eu digo o carnaval, da Ilha, de bloco, por exemplo… tem dois momentos: antes do Consulado e depois do Consulado.”

Entre as experiências musicais construídas como bloco carnavalesco, o Consulado introduziu instrumentos, arranjos e ritmos musicais inéditos entre sambas-enredos compostos para os carnavais da época: “O Consulado também inovou, ainda como bloco, sendo o primeiro a desfilar com intérprete acompanhado de cavaco (Nivaldo).”

As escolas de samba da Capital adotaram proceder a intercâmbios culturais com escolas cariocas a fim de adquirir conhecimento do modelo desenvolvido nos desfiles do Rio de Janeiro, para adaptá-los nos desfiles de Florianópolis, por que o espetáculo carioca prevalecia também sobre os da Capital: “O intercâmbio com escolas do Rio de Janeiro será uma constante a partir da década de (19)80, mesmo porque o “modelo” Rio de Janeiro influenciará muito as escolas de samba locais…” (TRAMONTE, Cristiana 1996. p.166)

Desde o começo dos desfiles como bloco, o Consulado adotou como prática a contratação de intérpretes e carnavalescos cariocas. Salomão de Sousa Filho colocou durante o depoimento oral: “… ou nós mandamos as pessoas da escola visitar, visitar outras escolas no Rio de Janeiro pra se aperfeiçoar naquele, naquele assunto.”

Cristiana Tramonte também analisa a experiência:

Outro fenômeno que chama a atenção neste ano é a presença, antes esporádica e agora maciça, de profissionais do Rio de Janeiro na organização dos desfiles, resultado da tentativa das escolas de cada vez mais assemelharem-se ao modelo carioca, aproximação que não ocorre sem conflitos inicialmente, mas que, aos poucos vai sendo assimilado pelas escolas de samba locais. (TRAMONTE, Cristiana 1996.p.181)

Na questão da territorialidade, o GRES Consulado teceu ações e relações comunitárias a fim de quebrar as barreiras erguidas contra a escola de samba que emergiam no carnaval de Florianópolis, tais como a imagem de branqueamento, de não-identificação com comunidades da Capital, de estranhamento musical com sambas-enredo baseado na cadência carioca e, ainda, aproximar-se dos moradores. Buscou estabelecer-se em um bairro próximo à sede da Eletrosul. Para isso, articulou sua afixar-se junto ao bairro da Caieira do Saco dos Limões, vizinho ao Saco dos Limões (Vila erguida pelo programa habitacional criado no governo de Getúlio Vargas), no qual moram operários e aposentados do funcionalismo público. Estabeleceu, contudo, relações com entidades e representações do bairro anteriores a instalação da sede da escola de samba, na rua Custódio Firmino, 20. O Clube Ipiranga, localizado no bairro, foi palco de ensaios do bloco/escola de samba, depois de pesquisa encomendada pela direção da escola a fim de aferir a identidade do Consulado com a comunidade, como informa o presidente da escola, Salomão Lobo de Sousa Filho: “…quando nós chegamos a usar o Clube Ipiranga…  nós fizemos a pesquisa! É o que eu te disse, mas de 90% do pessoal do bairro recebeu, deu boas vindas à escola!”

Faz 20 anos, o Consulado desenvolve o projeto intitulado Caieira 21. Os primeiros contatos e tratativas com a comunidade ocorreram no ano de 1989, em paralelo aos ensaios realizados na rua Custódio Firmino. A escola de samba criou espaços de relacionamentos com a comunidade, com o claro objetivo de buscar afinidade e identidade com representantes do bairro de Florianópolis, a fim de responder a falta de representatividade urbana nos desfiles na Passarela Nego Quirido.

Nesse período, o prefeito de Florianópolis era Esperidião Amin e Santa Catarina era governada por Pedro Ivo Campos. Ambos adversários políticos. Para viabilizar a posse do terreno, através de Termo de Comodato, o GRES Consulado obteve do prefeito e da Associação de Moradores da Caieira do Saco dos Limões – AMOCA – a permissão para se instalar no terreno, onde havia uma quadra para a prática de esportes e local dos ensaios da escola de samba. A arte-educadora Graça Carneiro, coordenadora do projeto Caieira 21 desde o início, enfatiza durante depoimento oral gravado para a pesquisa:

E em 1989, então foi assinado um Termo de Comodato com a prefeitura de Fpolis e passamos a utilizar uma quadra de esportes da comunidade, quadra essa de propriedade da prefeitura no contrato de comodato onde as duas instituições GRES Consulado e Associação de Moradores do Caeira, que é a Amoca, poderiam administrar e utilizar essa quadra pro bem da comunidade.

Destacamos que no ano anterior, em 1988, não aconteceu o desfile das escolas de samba de Florianópolis, quando da administração de Édison Andrino, porque não havia dotação orçamentária prevista e recursos financeiros suficientes para a apresentação das escolas.

Através do Projeto Caieira 21, a arte-educadora Graça Carneiro relata que foram desenvolvidas experiências, copiadas da Escola de Samba Beija-Flor, de Nilópolis:

Tendo como motivador o carnavalesco Joãozinho Trinta, do Rio de Janeiro, que visitou nosso Caeira em 1991, que muito contribuiu para fomentar as potencialidades as Escolas de Samba para além dos objetivos comerciais que a mídia e o turismo incentivam e divulgam…

Ainda que os programas sejam beneficentes às crianças da Caieira do Saco dos Limões, sustentar financeiramente projetos sociais requer a aplicação de verbas tantas vezes carreadas por empresas e organizações não-governamentais. E o Projeto Caieira 21 não foge a regra. Empresas públicas e privadas, usando a lei Rouanet de incentivo à Cultura, canalizam recursos financeiros para os programas realizados, por intermédio da lei e dos instrumentos legais previstos, como é o caso da Eletrosul e da Tractbel, apoiadas pela Prefeitura, pelo GTTC – Grupo de Trabalho Comunitário Catarinense, entidade mantenedora do projeto – e Fundação Maurício Sirotski Sobrinho. Com isso, possibilitam a execução de programas:

A construção do Espaço Cultural com a participação do GTTC, do GRES Consulado e da parceria de empresas e empresários possibilitando a implantação de uma biblioteca, uma escola de informática e salas de arte-educação. Construção de novos banheiros, de uma nova cozinha, equipada para atender a demanda do Projeto Caeira 21 e dos muitos eventos sociais do GRES Consulado e da AMOCA, bem como dos demais Grupos organizados…

Durante o depoimento oral Graça Carneiro afirma:

Eu hoje, eu posso dizer pra você que o Projeto Caeira 21 está em torno de R$ 360 mil/ ano, pra manutenção; mesmo com toda essa parceria que temos com o poder público, nós temos hoje 11 profissionais de educação aqui dentro. Cinco são mantidos pela prefeitura, os outros todos são remunerados e bancamos com os recursos que vem da escola de samba.

A fim de divulgar institucionalmente as ações, trabalhadores do projeto e parcerias com as mantenedoras economicamente, os organizadores mantêm o sítio na internet específico do projeto. O endereço é: www.projetocaeira21.org.br

Musicalidade:

A sabedoria e a experiência musical trazidas pelos trabalhadores transferidos do Rio de Janeiro e de Porto Alegre para Florianópolis, são expressas nas primeiras rodas de samba e pagodes, anteriores à formação do bloco.  Da exposição de um tema ou de uma frase inicial à composição da canção, associada à harmonia musical. São apresentações que criaram raízes em variadas direções culturais e sociais na cidade. Da experiência musical carioca derivam para canções elaboradas em Florianópolis.

A passagem desta primeira fase depende dos parâmetros poéticos (letra) e musicais herdados, os quais criaram os alicerces e os canais de relacionamentos com os habitantes da Capital. Marcos Napolitano aponta-nos este caminho:

Na música popular, nem sempre o cantor ou o instrumentista, apesar de ganharem mais destaque junto ao público, são os principais responsáveis pelo resultado da performance geral da canção. Isto ocorre sobretudo nos gêneros e canções de maior apelo popular, direcionadas par o sucesso fácil, nas quais as fórmulas de estúdio e os efeitos musicais pré-testados em outras canções tendem a se impor sobre qualquer criatividade ou inovação dos cantores, compositores ou músicos em si. (NAPOLITANO, Marcos. 2002.p. 84 e 85).

Por outro ponto, faz-se necessário observar que os gêneros cantados na época pelos trabalhadores cariocas eram canções consagradas, tantas vezes pedidas pelos espectadores de Florianópolis para serem tocadas nas emissoras de rádio. Também eram ouvidas nos discos de vinil do carnaval, cujas letras tinham o domínio público. E é deste repertório cantado pelos participantes dos encontros musicais que emanaram conversas com a população, relações comunicacionais entre público e sambistas:

Com a aquisição de novos instrumentos, o Bloco realizou seu primeiro ensaio geral no Clube Recreativo 5 de Novembro, no bairro Estreito. Os ensaios seguintes passaram a realizar-se no bar Tremendão, localizado na Avenida Beira-Mar Norte, enquanto a bateria ensaiava na residência de um funcionário da Empresa chamado Nivaldo. (DYMOW, Alexander 1996.monografia de graduação em História, da UFSC).

Assim como se verificam as aproximações através das rodas de samba, dos pagodes e encontros dos sambistas, ocorreram os intercâmbios culturais. O Consulado tem buscado em escolas de samba cariocas o conhecimento da musicalidade dos sambas-enredos, com o objetivo de trazê-lo para as composições do carnaval de Florianópolis. Fato ocorrido desde os primeiros desfiles, tanto em bloco como escola de samba, como recorda Salomão: “…89 que nós tivemos essa seção de uso, que até hoje temos. E 91 nós inauguramos. Nós inauguramos a quadra em 1º de fevereiro de 91, com a vinda do Martinho da Vila, aqui inaugurando, inaugurando a quadra.”

O samba-enredo e a bateria de uma escola de samba podem ser comparados facilmente (em sentido figurativo) a órgãos vitais do corpo humano, como coração e cérebro. Portanto, sem eles não há vida, não há desfile, nem espetáculo, em outras palavras, não há relação de ressonância com o público. A condução de um desfile dentro dos padrões técnicos estabelecidos pelos organizadores do carnaval é essencial a fim de obter o máximo desempenho de resultado. Para tanto, o GRES Consulado sustenta especialidades em áreas específicas da escola, tal como a bateria. O mestre de bateria Daniel Aranha é músico por formação, costuma freqüentar cursos e oficinas vinculadas a baterias de escolas de samba do Rio de Janeiro, conforme descreve Carlos César Vieira, no depoimento oral: “Ele vive fazendo a Universidade da Música! Ele não toca de ouvido! Ele é um moleque que se tu “bota” ele dentro de uma orquestra, ele toca praticamente todos os instrumento!… Ele toca cavaco, baixo, bateria…”

Antes de chegar a este patamar de bateria, o bloco tinha de contratar pessoas de fora para a execução musical, embora tivesse todo um arranjo inicial do grupo. Com a trajetória de ampliação do bloco, porém, os dirigentes entenderam ser vital a contratação de sambistas cariocas. Graça Carneiro, em depoimento, diz:

… nos primeiros tempos o Consulado contratava os batuqueiros de fora pra virem… E hoje, ele tem toda a sua bateria dentro da cidade, com todos os seus batuqueiros da cidade, e essa diretoria então formada. Eu posso assim ressaltar o nome de quatro jovens que cresceram aqui, e que são diretores, hoje da bateria, que é o Álisson, o Guilherme, o Dudu – Eduardo Calixto – conhecido por Dudu, e também… e esses jovens, o que é importante, é que eles além de participarem do projeto, eles hoje também são instrutores dessa bateria mirim. Ela ta sempre se renovando! A bateria mirim ela se renova! Todo ano nós temos aí em torno de 20 crianças iniciando o projeto, daqui a pouco nós temos 40… e eles entram e saem, entram e saem.

Como interpreta Cristiana Tramonte:

O intercâmbio com escolas do Rio de Janeiro será uma constante a partir da década de 80, mesmo porque o “modelo” Rio de Janeiro influenciará muito as escolas de samba e locais, sempre alternando com a busca da autenticidade, que será uma das características do carnaval de Florianópolis até meados da década de 90: buscar resistir a partir da clareza sobre as conseqüências do “gigantismo” e da inadequação do modelo Rio de Janeiro em sua totalidade no carnaval local e ao mesmo tempo espelhando-se na estrutura estética e organizativa das escolas carioca.(TRAMONTE, Cristiana 1996.p.181).

Desfecho em aberto

A idéia de escola de samba de branco, ou da Escola da Eletrosul, volta e meia retorna à discussão, quando se tem a intenção de desqualificar o trabalho realizado pelo GRES Consulado, de dizer que a agremiação ainda não tem identidade e/ou representatividade, em Florianópolis, que os sambistas são forasteiros e que dependem do carnaval carioca para conduzir o próprio desfile, ou seja, não são autênticos, como outras escolas de Florianópolis o seriam. Engana-se quem interpreta por esses caminhos.

O samba-enredo, tanto em Florianópolis quanto em outra cidade brasileira qualquer, é decorrência da construção cultural de um ritmo inacabado. É claro que muitas notas musicais, arranjos, inovações e novidades foram acrescentadas a este gênero, depois de emergir no Rio de Janeiro, ainda que como conseqüência da fusão de gêneros como o maxixe, chorinho e lundu acrescidos das relações humanas estabelecidas à época, como a malandragem (o que é um tema a ser pesquisado de forma aprofundada). E também o foi em Florianópolis. Ao nascer dos ranchos e escolas de samba, ao cruzar relações pessoais entre os sambistas florianopolitanos e cariocas, através da Escola de Aprendizes de Marinheiros, através dos militares da Marinha que instalaram habitações e formaram famílias no Morro da Caixa e do Mocotó. Das manifestações culturais do “cacumbi” às rodas de samba nos morros da cidade. E, ao introjetar ensaios, erguer a quadra e criar raízes na Caeira do Saco dos Limões, como foi à opção do bloco Consulado do Samba, em Florianópolis.

No espaço da Música Popular Brasileira o samba-enredo ocupa lugar de implicações políticas, sociais, econômicas e culturais. Representa a identidade do brasileiro, seja para as autoridades governamentais, como para a população – incluindo intelectuais e acadêmicos. Ao traçar um planejamento para buscar a identificação com o habitante de Florianópolis o GRES Consulado recorre às ações políticas, sociais e culturais junto à população. Como diz Graça Carneiro, no relato em um dos projetos com as crianças do bairro: “A bateria mirim ela se renova! Todo ano nós temos aí em torno de 20 crianças iniciando o projeto, daqui a pouco nós temos 40… e eles entram e saem, entram e saem.”

Ou ainda:

Na quadra do Caeira acontece o futebol, o futsal, acontecem as missas de comemorações da religião católica, acontecem as festas juninas, que ainda são as festas onde o religioso e o profano também caminham junto, né, onde tem comida e bebida, dança e tudo isso e tem a missa. Acontece o ensaio da escola de samba e até as oficinas de arte: a música, a dança, o teatro tudo acontece aqui. Esse é o ponto de cultura do bairro! É essa quadra de eventos do Caeira!

Assim como havia, à época, o bloco da “Eletrosul”, existiam também os blocos das empresas, como o da Celesc, chamado de “Energia Radiante”, como recorda Nivaldo dos Santos, assim com o bloco “SOS – Saúde, Ordem e Saúde” – que hoje desfila durante o Enterro da Tristeza, na véspera (sexta-feira), do carnaval de Florianópolis.

Dos ensaios no Clube Ipiranga, no Saco dos Limões, à instalação da quadra da escola foi um acúmulo de acontecimentos até a criação dos vínculos iniciais para com a comunidade. Moradores se manifestaram contra a instalação da escola por causa do barulho dos ensaios, das ruas cheias de carro à noite e das perturbações advindas da vizinha nova e barulhenta. Outra parte apoiou a escola e diverte-se até hoje nos ensaios e nas comemorações dos títulos de campeã.

Há pouca epistemologia acerca deste campo historiográfico, tanto no país quanto em Santa Catarina. Desvelar as tensões, emergir relações internas e externas, expor processos de produção de cultura dentro de uma escola de samba é encontrar-se com um pedaço do Brasil pouco apercebido, mas dotado de dinâmica e de naturezas humanas desconhecidas no interior de um organismo vivo como é a escola de samba.

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de mestre, no Programa de Pós Graduação em História da Universidadedo Estado de Santa Caratarina

REFERÊNCIAS

BUENO, Renato Santiago, Samba, Escolas de Samba e Políticas Públicas na construção da Passarela Nego Quirido em Florianópolis. 1980 – 1989. p.19  

CARREIRÃO, Yan de Souza; BORBA, Julian; Os Partidos na Política Catarinense – Eleições, processo legislativo e políticas públicas – Ed. Insular, 2006, p.55.

DYMOW, Alexander. Escola de Samba Consulado – uma questão de identidade. Florianópolis. 1996.monografia de graduação em História, da UFSC

LOHN, Reinaldo Lindolfo. PONTES PARA O FUTURO: relações de poder e cultura urbana – Florianópolis, 1950 a 1970. 2002 UFGRS, (p.156.) Tese de doutorado.

NAPOLITANO, Marcos. História & Música – História cultural da música popular. Ed.Autêntica.Belo Horizonte.2002.p. 84 e 85.

PEDRO, Joana Maria; FLORES, Maria Bernardete Ramos; (re)inventando a cidadania. A História do Sindicato dos Eletricitários de Florianópolis. Ed.Sinergia. 1994.p.10

TRAMONTE, Cristiana, O samba conquista passagem – As estratégias e a ação educativa das escolas de samba de Florianópolis, Ed.UFSC.

CARNAVALESCO CAMPEÃO

FALA RAPHAEL SOARES!

Minha história com o GRES Consulado começou antes de chegar efetivamente nela. Tudo aconteceu após o meu encontro com “Aleixo Garcia” através da escrita do Sandro Roberto de Oliveira. Eis que o destino quis unir o enredo com a escola, e assim eu chego no Caeira do Saco dos Limões. Por isso eu sempre digo, o que me levou pra escola foi o Aleixo. E vencendo as desconfianças de algumas pessoas, vencemos aquele carnaval! E quão inesquecível pra mim, mais do que meu primeiro título no carnaval em 2005, foi ouvir da Dona Iraci que, aprendeu comigo a usar prata com dourado e juntos eles davam certo. Ganhei o carnaval naquele momento.

Mais seguro comigo mesmo e definitivamente aceito na comunidade vermelha e branca, fomos buscar o Bi campeonato nas sombras da Velha Figueira, na exaltação a Praça XV.

O Tri veio com as Vinte luas de saudades de Içá Mirim… Um marco pra mim! Ajudar o Consulado a conquistar novamente um tricampeonato. Na epopeia de Savas o tetra não veio por pouco, acho que ele ficou pela Conselheiro Mafra. Mas a estrela voltou a brilhar no ano seguinte! Foi quando Macunaíma resolveu passear por Santa Catarina e encontrar os Quilombos para descobrir que a nossa raça é única! A chamada raça do amor. Questionaram esse título, tentaram nos tirar, alguns pensam que conseguiram, mas o troféu continua no Caeira.

O clima esquentou na folia da capital. Chamamos os bombeiros pra tentar arrumar as coisas. Mas a escola ficou marcada pela polêmica anterior e começou uma certa perseguição a partir de então. Joãosinho Trinta já dizia: “O povo não gosta de quem ganha muito e nem de quem perde sempre” sempre sábio o rei do Carnaval.

Nos passos de variadas danças tentamos acertar o compasso. Mas nada mudou! A perseguição continuava. Ao fim desse desfile, e após sete carnavais consecutivos, quis tentar dançar em outros palcos. E fiquei longe por 5 anos.

Voltei quando o Consulado também retornava pra elite. Depois de uma passagem pelo grupo de Acesso. E contando a história do próprio bairro, veio também um terceiro lugar com gosto de campeonato. Quebramos o estigma! Ano seguinte realizei o sonho de homenagear o meu maior ídolo na folia. E coroamos João como rei na Nego Quirido.

Até que, na simplicidade de um personagem que buscava o sentido de ter o coração no peito, conquistamos mais uma estrela para o nosso pavilhão! “Aqui encontrei o amor na raiz. Ser Consulado me faz feliz”. E o homem de lata descobriu no samba, o motivo que faz nosso coração bater.

Eis que chegamos em 2020… Depois de falar do amor, vamos falar de luta! Luta por um país com direitos iguais entre homens e mulheres. Luta por mais educação. Luta contra todos os preconceitos… Através da história de uma professora e seus “Farrapos de ideias”. Antonieta esteve presente! Antonieta estará sempre presente conosco. E agora sempre lembrada através

de um dos sambas mais lindos da história do Consulado.

Depois do amor, depois da luta… Depois de um período de trevas no mundo. Escolhi falar da alegria no próximo Carnaval. E que melhor maneira de falar de alegria, do que falando da própria história da nossa folia. Nosso Ziriguidum será em homenagem as mais de 600 mil vidas que não terão a oportunidade de viver a alegria de mais um Carnaval.

E assim vamos seguindo. Resistindo e persistindo. Pois do outro lado do túnel tem um lugar onde os sonhos se realizam. E se transformam em fantasias.

Raphael Soares é natural de Nilópolis RJ e mora em São José SC, sua mudança para o Sul aconteceu em 2003. Começou sua trajetória no Carnaval em 1997 na Escola de Samba Mocidade São Miguel, no Guarujá em Santos SP. Em 1998 e 1999 participou do carnaval em Portugal, assinando os figurinos da Claustrofolia na Cidade de Alcobaça. Aventurou-se como compositor de Samba Enredo, concorrendo nas Escolas Águia de Ouro SP, e Beija-Flor de Nilópolis RJ. Em 2001 estreou como carnavalesco na Unidos da Coloninha em Florianópolis SC onde permaneceu por quatro carnavais. Já assinou os carnavais da Acadêmicos da Barra da Tijuca e Acadêmicos do Dendê da Ilha do Governador no Rio de Janeiro. Conquistou três títulos na Escola de Samba Protegidos de São Carlos da Cidade de Lages SC. No GRES Consulado em Florianópolis, conquistou cinco títulos. Assinou os carnavais das Escolas de Samba Vai Q’Vira de Mongaguá SP, Unidos do Praião de Santos SP, Primeira da Aclimação de São Paulo SP e Independência do Jardim Casqueiro de Cubatão SP, onde conquistou quatro títulos, e Unidos dos Morros de Santos SP. Na Escola de Samba Os Protegidos da Princesa de Florianópolis SC, conquistou dois títulos. Foi carnavalesco da Escola de Samba Príncipes do Samba de Joinville SC em 2015. Participou da equipe do carnavalesco Danilo Dantas nas Escolas de Samba Barroca Zona Sul, Dragões da Vila Alpina e Colorado do Brás. Em 2017 foi carnavalesco da Mocidade Unida da Mooca. Participa do Carnaval Virtual desde 2004, onde é o atual campeão com a Imperiais do Samba. Fora do Carnaval, Raphael Soares continua envolvido com cultura, ministrando Oficinas de Teatro e de carnaval, escrevendo textos teatrais. Já foi Jurado nos Carnavais de Sombrio SC e Cruz Alta RS. Palestrou em cursos de história e moda falando da construção de enredo e figurinos de carnaval. Em 2016, foi homenageado pela Escola de Samba Jardim das Palmeiras de São José SC em sua estreia como Escola de Samba desfilando em Florianópolis, com o enredo “Raphael Soares – O Vôo do Menino Beija-Flor”. Atualmente, além do GRES Consulado, também é carnavalesco da Unidos da Cova da Onça de Uruguaiana. E está fazendo parte da Comissão Artística da Escola de Samba Dom Bosco de Itaquera SP.

“PATRIMÔNIO CULTURAL”

Aqui na aba VOZES DO SAMBA convidados escrevem sobre suas reflexões,  suas constatações, suas pesquisas e contribuições para o engrandecimento do Samba e do Carnaval.

DIZ AÍ MARCELO MACHADO!

Respeitem Meu Pavilhão, pois, Meu nome é Patrimônio Cultural!

Recebi a honrosa missão de escrever, um artigo para o site ‘Velha Guarda Eu Sou’, da amiga Graça Carneiro, para falar da importância das escolas de samba, enquanto um patrimônio cultural brasileiro. Honrosa e difícil missão, pois, quem melhor, pra falar sobre o tema, do que a própria Graça? Salgueirense do coração, por carioca de nascimento e, ‘Consulado’ no peito, por Florianopolitana de tantos renascimentos…! Sim, as histórias dessas duas entidades carnavalescas e, dessas duas cidades litorâneas estarão, por muitas vezes entrelaçada, nos artigos que minha amiga pretende compartilhar conosco, a partir desse seu mais novo empreendimento cultural, que já nasce sob o manto, de uma afirmativa bandeira e, de uma assumida identidade: “Velha Guarda, Eu sou!”. Mas sobre todo o acervo cultural, que essa arte educadora ‘Catarioca’ – Híbrido de Catarinense com Carioca, como ela mesma diz nos legou, nessa intersecção Salgueiro/Consulado e, no cruzamento Rio/Floripa, vamos deixá-la dizer-nos, nas páginas desse Site, que pisa forte, nessa ‘avenida’ virtual, da cibe cultura.

O desafio de dizer algo sobre um tema, que nos é muito internalizado, como o carnaval, também é saboroso, por levar-nos á revisitar conceitos, traçar paralelos e, nesse percurso perceber, como as relações Escolas de Samba  com a cultura brasileira são intrínsecas as próprias questões, daquilo que se entende contemporaneamente por Patrimônio cultural, algo que se transformou ao longo do tempo, da mesma forma, que a expressão das Escolas de Samba, ao longo da sua história. E assim, como uma sinopse de enredo, á lá Magalhães, a Rosa, dos enredos históricos com toda pompa e, circunstância, eu me lanço nesse desafio, mas, de largada, já pedindo passagem, afirmo: Ambos, ‘patrimônio cultural’ e ‘Escolas de Samba’, não são conceitos, que surgiram de forma isenta. Eles surgem em meio a conflitos, problemas, disputas!

Setor: A História é o Patrimônio. 

E essa história começa longe. Para ser bem exato, no tempo do Império Romano, quando surgiu o conceito de ‘Patrimônio’: uma coisa monumental, por isso mesmo importante e, que justificava ser preservada e difundida entre a população. Estamos falando, portanto, da compreensão ligada á um grupo das elites. Avança nosso ‘enredo’ e, o marco histórico seguinte está na Revolução Francesa, quando vemos a contestação do poder da monarquia pelo povo. E, outro marco vamos encontrar, no final da Segunda Guerra Mundial, que como sabemos teve como base, a ideologia fascista e nazista calcada em ideais nacionalistas exacerbados, racistas, excludentes e, de perseguições á tudo o que fugisse á essa ideologia da Europa dominante. No final desse grande conflito, um movimento mundial de contestação, pautado por comissões e comitês, passou a criar uma legislação sobre o patrimônio. Mas até então, ‘patrimônio legal’ ainda era tudo aquilo que podia ser transferido para herdeiros e tinha seu valor comercial. Ficava de fora da compreensão de patrimônio cultural, aquilo que só possuía valor ‘Emocional’ e, cuja importância é repassada de geração á geração. Eis que surgem, a ONU e, a UNESCO. Inicia-se uma discussão, em torno da questão patrimonial, que se amplia, na época, para aqueles, até então, ditos ‘países do 3° mundo’. Países pobres, colonizados, de populações não letradas, como os indígenas e, “ex-escravos” com seus acervos culturais de manifestações, na oralidade, nas danças, nas festas e, outras formas de expressão. Porém, sempre vistos, pela elite intelectual como algo ‘puro’, que deveriam ser congelado no tempo. O grande marco mundial, desse nosso ‘enredo’ está mesmo, no México, no ano de 1982 quando, o conceito de Patrimônio Imaterial é incorporado às cartas patrimoniais da ‘UNESCO’. Patrimônio Imaterial, portanto é exatamente aquilo que possui valor ‘Emocional’. “É algo ligado ao espiritual, a festas, a manifestações populares, saberes populares, a histórias que se contam, enfim coisas mais ligadas ao cotidiano, que não são tão singulares, mas que fazem parte da vida de grupos”.

No Brasil é, a partir da constituição de 1988, que temos assegurado o registro de bens da cultura imaterial. Mas como nos confirma Silvia Costeiro – Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco, de Pernambuco, como esse registro pode ter representação para um grupo e não para outro a palavra de ordem para conceituar patrimônio cultural, no sentido de compreendermos a complexidade desses patrimônios é ‘Diversidade’.

Setor: Carnaval Brasileiro.

Uma das grandes marcas da brasilidade é o carnaval. E ele foi abrasileirando-se através do tempo.  Afirma Maria Isaura P. de Queiroz, que além de ser uma das maiores festas nacionais, o “carnaval assumiu, no país, um caráter verdadeiramente popular e, portando significados educativos, sociológicos e antropológicos relevantes sobre a nossa cultura”.

No Brasil, as concepções de identidade cultural e identidade nacional se confundem justamente por estarem interligadas num patrimônio cultural semelhante, que é a cultura afro-brasileira. Esse fato compõe o nacional, onde se aglutinam todas as coletividades étnicas e, todos os extratos sociais. Os traços de afro brasileiros são portadores de brasilidade. E assim como a compreensão do que seja um ‘Patrimônio cultural’ se transformou ao longo do tempo, até chegar nessa visão, mais abrangente, que preza pela diversidade, a Escolas de Samba é um patrimônio, que nasceu, cresceu e, se transformou, a partir do debate político e da transformação da sociedade brasileira. “Em certo sentido – nos diz a historiadora Monique Augras, o desenvolvimento das escolas de samba, até chegar à atual feição de “maior espetáculo da terra” é pautado por episódios sucessivos de docilidade, resistência, confronto, negociação, pondo em cena diversas modalidades de solução para o conflito entre desejos e necessidades, entre expressão genuína e o atendimento ás exigências dos diversos patrocinadores, sejam eles ligados ao Estado, à indústria turística ou à contravenção”.      

E, se hoje o carnaval é planejado e organizado pelas secretarias de turismo dos estados, e municípios, antes, apenas as classes pobres ganhavam visibilidade, ao se fantasiarem de luxo. ‘Aqui tudo acaba em samba’ ou, ‘somos o país do carnaval’ são algumas das expressões que você já deve ter ouvido e, até repetido. No seu livro “O Brasil do Samba EnredoMonique Augras nos dá a dimensão das transformações do carnaval. “Do lado do povão, saíam às ruas os ‘blocos’ pobremente fantasiados com apetrechos improvisados, os ‘Cordões’, agrupamentos marginalizados e, Ranchos’. Foi na junção dos ‘Ranchos’ – herdeiros, por sua vez dos ternos de reis nordestinos, com os blocos e cordões das ruas do Rio de Janeiro, que se deu aquilo que viria a serem as escolas de samba, do mesmo modo que foi o encontro, nos terreiros de candomblé dos devotos cariocas, com o samba baiano de roda, que se deu origem do samba” No carnaval, só o Brasil tem a sua trilha sonora original para essa festa mundial.

Setor: Respeitem Meu Pavilhão! 

No caminho rumo à respeitabilidade, a alcunha de ‘escola’ ganhou terreno. As brigas violentas, do início do século foram substituídas pelos concursos. Não por acaso, o primeiro concurso entre escolas de samba foi organizado por um jornal desportivo, uma instituição, que teve influência na valorização do futebol brasileiro, outra manifestação de origem europeia, que se abrasileirou suplantando a sua origem. Ainda nos anos 30, os poderes públicos se interessam pelas escolas de samba e, o desfile é absorvido na programação oficial da prefeitura. É desse período, o surgimento do samba combinado com o enredo. “O primeiro regulamento para os desfiles, sob a exclusiva responsabilidade do poder público, foi feito em 1939, no limiar do Estado Novo, não como uma imposição, mas estabelecendo um clima para tal” (Riotur,1991:30).

Do reconhecimento na década de 30, passando à autocensura, na década seguinte, perpassado regulamentos, a obrigatoriedade por temas patrióticos, a proibição do ‘sonho ou, imaginação’, a mudança de quesitos, na forma de julgamento, a conquista do mercado fonográfico pelos Sambas de Enredo em fins dos anos 60, a contratação de equipes de técnicos e artistas plásticos, nos anos 70, até desembocar no formato de desfile, tal como conhecemos hoje, transformado em produto de televisão, projetando para o mundo a cultura brasileira em transmissões via satélites, as Escolas de Samba provaram, que estão longe de identificar-se unicamente com as manifestações folclóricas, que repetem a tradição, congeladas. Como sempre se adequaram rápido, aos novos tempos, não temos dúvidas, em dizer, que sobreviverão, ao ‘novo normal’, de um mundo pós-pandemia. Como bem descreveu a escritora Cristiana Tramonte, em seu livro “O samba Conquista Passagem”, as escolas de samba abarcam um ‘lócus’ educativo, encenado por várias possibilidades educativas, subdivididas em pedagogias: da ação social, da ação política, dos valores éticos e morais, da ação cultural, além é claro, da pedagogia da arte, que promove um mundo de expressões simbólicas, como uma maneira legítima de discursar sobre a realidade, que fica registrada, ao final de qualquer desfile simples ou, suntuoso é, que por ali passa o “resultado de uma vitória das classes populares de origem negras, a qual, através de muita luta e capacidade organizativa logra hegemonizar culturalmente o carnaval, dando-lhe sentimento, artístico, força cultural e, social”. E assim, dizendo de sua importância na transmissão do saber, construindo a identidade de um grupo e principalmente, assimilando a diversidade cultural brasileira e, envolvendo todas as classes sociais, as escolas de samba seguem potencializando o seu valor e clamando: Respeitem o meu pavilhão, pois meu nome é Patrimônio Cultural.

Marcelo Machado

CURRÍCULO

MARCELO MACHADO – Florianópolis – 16/07/1963

Formado em Educação Artística com Habilitação Artes Plásticas/ UDESC-1995 e, Especialização em Linguagem Plástica Contemporânea/UDESC-1999.

Atua com as linguagens da Fotografia; Mídias Eletrônicas; Cultura Popular e, Pesquisa Cultural de Imigração.  Atua como Arte-Educação na rede Estadual de ensino desde 2002 e, como Carnavalesco, desde 1985. Assinala passagens pelas Grandes Sociedades Carnavalescas e, escolas de samba da capital como aderecista e, autor de enredos. Seu último trabalho foi em 2012, ao lado de Fernando Albalustro, como carnavalesco e autor do enredo “Atlantis Insulae: Açoriano é ser do mar”. É Membro fundador da Oficina Crítica de Carnaval criado no carnaval de 2016. ( https://youtu.be/sHpT3nX5aBE)